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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Espionagem da VALE contra os movimentos socais e seus trabalhadores!

Vazamento de informação expõe espionagem da Vale


Por Marina Amaral

Emails, planilhas, fotos e denúncias de ex-gerente de segurança, que
representa contra a companhia no MPF, mostram que a Vale espiona os
movimentos sociais e grampeia funcionários - e até jornalistas - para
defender seus interesses

“Tem que deixar o buraco do rato, não pode encurralar, isso eu aprendi
no Exército”. A frase crua expressa a revolta de André Luis Costa de
Almeida, 40 anos, ao explicar por que decidiu revelar o que sabe sobre
a área de vigilância e inteligência da Vale S.A, onde trabalhou
durante oito anos – nos dois primeiros como terceirizado e depois como
funcionário do Departamento de Segurança Empresarial. Ele era
responsável pelo serviço de inteligência e gestor de contratos da Vale
com empresas terceirizadas da área, quando foi demitido, em março de
2012.

“Eu tentei conversar, mandei e-mails, nada: eles prometeram que não
iam me demitir por justa causa, voltaram atrás, depois disseram que
manteriam sigilo sobre o assunto mas chamaram meu novo chefe para
dizer que minha presença dificultaria a relação comercial dele com a
Vale. Tive que sair, não podia prejudicar o cara. Agora eu não me
importo com mais nada: só quero que a verdade apareça”, disse logo no
primeiro encontro com a Pública, em meados de maio.

Um ano depois de sua demissão – em 18 de março deste ano – André
Almeida entrou com uma representação no Ministério Público Federal
afirmando que “participava de reuniões, recebia relatórios e era
informado formal e informalmente de diversas situações que considero
antiéticas, contra as normas internas e/ou ilegais”, admitindo que
“por pressão sobre o meu emprego, me sujeitei a executá-las”, e
anexando demonstrativos de notas fiscais que descrevem entre os
serviços contratados pela Vale à empresa de inteligência Network, do
Rio de Janeiro: a infiltração de agentes em movimentos sociais (no Rio,
Espírito Santo, Minas Gerais, Pará e Maranhão); o pagamento de
propinas a funcionários públicos (para obter informações de apoio às
“investigações internas”, na Polícia Federal e em órgãos da Justiça em
São Paulo); quebra de sigilo bancário e da Receita (de funcionários,
até mesmo diretores), “grampos telefônicos” (entre eles o da
jornalista Vera Durão, quando ela trabalhava no jornal Valor
Econômico), “dossiês de políticos” (com informações públicas e “outras
conseguidas por meios não públicos” sobre políticos e representantes
de movimentos sociais).

Recusando o café e a água oferecidos em um bar no aeroporto do Santos
Dumont, e atropelando as frases, André contou a história que o levou à
Vale depois de 8 anos de exército, convidado por um colega de CPOR,
Ricardo Gruba, depois diretor do departamento de Segurança
Empresarial: a central de espionagem da Vale, que emprega cerca de 200
funcionários e utiliza quase 4 mil terceirizados (os números foram
fornecidos por André, a Vale não disponibiliza a informação).
Responsabilizou-se pessoalmente pela instalação de grampos nos
telefones de dois funcionários, um deles o gerente-geral de imprensa,
Fernando Thompson, e revelou a existência de uma série de dossiês
contra lideranças sociais como o advogado Danilo Chammas e o padre
Dario, da ONG Justiça dos Trilhos, de Açailândia, Maranhão; o premiado
jornalista Lúcio Flávio Pinto, crítico aguerrido da atuação da empresa
no Pará; Raimundo Gomes Cruz Neto, sociólogo e agrônomo do Cepasp –
Centro de Educação, Pesquisa, Assessoria Sindical e Popular – em
Marabá (PA); Charles Trocate, líder do MST, e até da presidente Dilma
Roussef, quando ela era ministra das Minas e Energia. “Algumas
informações como essas sobre a Dilma eram obtidas através de dados
públicos, notícias de jornais, redes sociais, mas outras eram
levantadas através de espionagem mesmo, incluindo a dos infiltrados”,
diz André Almeida.

Sobre os demonstrativos de nota fiscal entregues ao MPF, explicou que
eles lhe eram passados pela Network para conferência dos serviços a
serem pagos, e não apareciam discriminados nas notas fiscais emitidas
pelo Departamento de Suprimentos, que ignorava a natureza exata dos
serviços prestados. “Era minha função receber esses dados e conferir
junto aos solicitantes [da Vale], pois, além dos itens fixos, outros
eram pedidos diretamente pelos integrantes do Departamento de
Segurança Empresarial sem passar pelo meu crivo”, explicou. Os dados
da Network eram comparados aos das planilhas confeccionadas pelos
funcionários da Vale que solicitavam os serviços, orientação reforçada
por um e-mail de outubro de 2011 do diretor de Segurança Empresarial,
Gilberto Ramalho (que substituiu Gruba em 2011), “visando melhor
controle sobre a apropriação dos serviços prestados pela Network”, que
dava as instruções para o preenchimento das planilhas.

“Um exemplo de pedido direto (à Network) foi a infiltração de um
agente no movimento Justiça nos Trilhos pelo Gerente Geral de
Segurança Norte, Roberto Monteiro”, diz, mostrando um demonstrativo de
junho de 2011, com o pagamento total de R$247.807,74 a Network.  Ali,
na prestação de contas do Escritório Norte (Pará e Maranhão), no item
“Rede Açailândia”, consta a despesa de R$ 1.635,00 referente ao
“recrutamento de colaborador de nível superior, em fase experimental,
para atuar junto à Justiça nos Trilhos e outras atividades dos MS
(Movimentos Sociais) em Açailândia/Maranhão”.


Um parêntesis necessário: o planejamento da Vale é dividido em Sistema
Norte – que engloba as minas de Carajás de onde são extraídas 90
milhões de toneladas de minério de ferro de alta qualidade, exportado
para a Ásia pelo complexo ferro-portuário Estrada de Ferro Carajás –
que vai das minas ao terminal de exportação da Vale próximo São Luís
do Maranhão; e Sistema Sul – que tem como coração a extração de
minério em Minas Gerais, mais da metade da produção total da Vale,
levado pela Estrada de Ferro Minas – Vitória até o porto de Tubarão,
no Espírito Santo.

Do ponto de vista da segurança, o escritório Norte é o mais
problemático por envolver uma grande extensão de território – entre a
ferrovia e o porto são quase 900 quilômetros, cortando áreas
indígenas, quilombolas e de outras populações tradicionais. Por isso,
foi ali que o atual diretor de Segurança Empresarial da Vale, o
cadete-aviador Gilberto Ramalho, começou a montar o modelo de
vigilância da empresa na ditadura militar, quando ainda era gerente e
o polo exportador na Amazônia passou a operar, em 1985.

Na época, devido à presença intensa de garimpeiros, madeireiros,
grileiros e pistoleiros e a violência permanente, alguns “homens de
visão”, como Tolentino Marçal, começaram a “profissionalizar” essas
milícias através de empresas de segurança – a dele era a Sacramenta e
trabalhou para a Vale até alguns anos atrás, quando o enorme passivo
trabalhista da empresa (mais de 5 milhões de reais) e episódios com
vigilantes armados e de suspeita de desvio de armas levaram a sua
substituição pela Network. Alguns “informantes” avulsos desta e de
outras empresas terceirizadas, porém, em Marabá, Barcarena,
Parauapebas e Belo Horizonte, continuam a prestar serviços para a Vale
através da Network, com seus pagamentos registrados no demonstrativo –
como a rede ABC, de Barcarena/PA (R$4.563,00), “um colaborador e
agente” na rede Marabá (R$3.381,68)  e na rede Carajás/Parauapebas (R$
7.754,11).

“São heranças que a Network se viu obrigada a assumir, pois os ‘toucas
ninja’ estavam nessa situação complicada há vários anos em outras
empresas terceirizadas de vigilância. A tão falada reorganização da
Segurança Empresarial feita pela atual gestão, simplesmente trocou o
diretor ( Gruba por Ramalho), todos os demais integrantes, próprios ou
terceirizados, permaneceram fazendo o que sempre fizeram”, diz ele.

Ramalho é um dos funcionários mais antigos da Vale e continua
influente na região. De acordo com André Almeida, embora estivesse
atuando como gerente em Minas Gerais quando ocorreu o Massacre de
Carajás, em 1996, teria sido ele o negociador da operação policial que
resultou no assassinato de 19 sem terra – nos autos do processo do
massacre, a Vale aparece como financiadora da operação, destinada a
liberar a passagem dos caminhões da empresa (as minas ficam a cerca de
90 quilômetros do local do crime), obstruída pelos manifestantes
atacados pela polícia.

O MST ainda é o principal alvo da segurança da Vale, ao lado da rede
Justiça nos Trilhos, sediada em Açailândia, no Maranhão, que reúne
diversas entidades de direitos humanos em defesa da população atingida
pelas atividades do pólo exportador. Há mais de 2 anos, a rede trava
uma batalha judicial com a Vale contra as obras de ampliação da
ferrovia – feitas sem licenciamento ambiental – para escoar a produção
em expansão das minas de Carajás, impactando ainda mais a vida das
comunidades que vivem no entorno dos trilhos por onde circulam
gigantescas composições ferroviárias, de 9 a 12 vezes por dia,
cortando reservas ambientais e território indígena e quilombola.

Os acidentes ferroviários estão entre os motivos recorrentes de
protesto, mas os trilhos não tem proteção nem passarelas na maior
parte dos casos, como se vê nas fotos. O mesmo demonstrativo inclui
R$1.360,00 para “despesas com o envio e manutenção de agente, oriundo
de Belém para Marabá, para a Op. Trilho em Marabá nos dias 12, 13, 14
e 15 de maio”, dias em que os protestos pelo atropelamento de um idoso
interromperam a Estrada de Ferro Carajás, da qual a Vale é
concessionária.

A rede Justiça nos Trilhos também é uma das articuladoras do movimento
Atingidos pela Vale, do qual participam sindicalistas e lideranças
comunitárias de diversos Estados e de outros países onde a
multinacional atua – são mais de 30 -, comandada pela sede no Rio de
Janeiro. Essa articulação promoveu uma votação mundial pela Internet
que deu à Vale o troféu de “Pior Empresa do Mundo” de 2012, entregue
pessoalmente ao presidente da Vale, Murilo Ferreira.

O CORONEL MEDALHADO DA VALE/NETWORK
No escritório Sul – centralizado em Belo Horizonte – quem orientava os
serviços de inteligência da Network era o coronel da reserva, Roger
Antonio Souza Matta, um ex-gerente de segurança da Vale que deixou a
empresa em 2009, durante uma crise econômica. “Ele não precisava do
emprego e se ofereceu para sair, evitando que outros fossem demitidos,
passando a trabalhar junto à Network”, explica André. “Era como um pai
para nós”, diz.

Premiado com a Medalha do Pacificador do Exército em 2010, e figura
influente em Minas Gerais, o coronel Roger dá aulas de especialização
em inteligência na Fundação Escola Superior do Ministério Público de
Minas Gerais e ocupa o cargo de chefe da Assessoria de Integração das
Inteligências do Sistema de Defesa Social da Secretaria de Estado de
Defesa Social (SEDS). Depois de dizer por telefone que não conhecia o
departamento nem o coronel, a SEDS confirmou o cargo e o nome do
coronel através de um e-mail de sua assessoria de imprensa, mas não
deu o contato do coronel, já procurado insistentemente pela Pública
por seu e-mail pessoal e telefones que constam da lista telefônica de
Minas Gerais.

Indagado sobre o assunto, Marcelo Ricardo Roza, diretor da Network e
filho do militar, já falecido, que fundou a empresa, disse que “nem
conhecia o coronel” e que ele “não prestava qualquer tipo de serviço à
empresa”, embora ele seja citado em mais de um e-mail trocado com o
departamento de segurança da Vale como o responsável da Network pelo
monitoramento dos movimentos sociais, principalmente em Minas Gerais.

Em um e-mail enviado em 9 de janeiro de 2011 aos funcionários da
segurança, Orlando Sá, então gerente geral de segurança empresarial do
Sistema Sul, orienta: “Aproveito a oportunidade para reiterar a
recomendação outrora realizada de que nenhum de nossos integrantes
(próprios e/ou terceiros) poderá ser utilizado no “levantamento de
informações de campo”, que deverá ser realizada pela equipe do Cel
Roger (Net Work)”.

Entre os membros dessa equipe, estava o capitão de mar e guerra Mauro
Paranhos, que em e-mail, enviado em 16 de agosto de 2010 alertava
Ricardo Gruba, então diretor de Segurança Empresarial da Vale: “No Rio
de Janeiro, em reunião sobre o Plebiscito Popular pelo Limite de
Propriedade, a ser realizado durante o Grito dos Excluídos de 2010,
foi divulgado que nos dias 18, 19 e 20 de agosto, o MST fará agitação
e propaganda da Reforma Agrária e contra o Agronegócio. O Plebiscito
Popular será abordado entre os temas a serem tratados”.


No mesmo sentido, outro e-mail do analista da Vale, Nilo Manoel de
Oliveira Filho, esse sobre atividades do MAB – Movimento dos Atingidos
por Barragens – em Itueta, na Estrada de Ferro Vitória Minas, cita o
coronel: “André, estarei inserindo os dados no Omega (o sistema de
informática utilizado pela segurança). Solicito apoio do Cel Roger no
acompanhamento das ações de movimentos sociais, que representem
ameaças aos sites da Vale em MG, em especial BH”.

Os demonstrativos de nota fiscal da Network mostram ainda que a
empresa pagava uma dupla de agentes contratados em Belo Horizonte por
cerca de 15 mil reais: “valor mensal, incluindo salário, plano de
saúde, vale transporte, vale alimentação, todos os direitos
trabalhistas, aluguel de veículo de acordo com padrões Vale (os carros
da empresa, alugados, tem logotipo e códigos que identificam que rotas
estão autorizados a utilizar dentro das plantas da companhia), cota e
controle de combustível (em BH/MG)”. Os dois agentes, segundo a
denúncia de André Almeida no MPF, um deles chamado Rubinho,
“executavam ações fora do escopo do seu contrato de trabalho”.

Também faziam parte dos serviços da Network os relatórios semanais de
inteligência sobre os movimentos sociais, as análises de LDB
(levantamento de dados básicos) sobre funcionários em contratação –
segundo André, com dados sobre antecedentes criminais obtidos
ilegalmente no Infoseg – levantamento de empresas que trabalham com a
Vale, relatórios sobre movimentos sociais com fotos de cartazes,
reuniões (com círculos nos rostos das lideranças a ser identificadas),
protestos de rua, e “atualização de atores selecionados” (os dossiês),
alguns realizados com ajuda dos infiltrados que, de acordo com a
denúncia ao MPF incluíam, além dos casos citados, um indivíduo que
fornece informações antecipadas e fotos de reuniões” no Assentamento
Palmares II (do MST, em Parauapebas/PA); “um indivíduo de nome Braz,
ex-integrante do Ministério da Marinha no MST/RJ; “um informante com
boas relações” na Prefeitura de Parauapebas (que concentra a maior
parte do CFEM, a taxa de mineração, por ser a sede das minas da
Floresta de Carajás) e “uma funcionária ou vereadora” na Câmara de
Vereadores de Anchieta/ES, onde a Vale enfrentava problemas para a
liberação de licenças ambientais do projeto siderúrgico Ubu, por fim
conseguidas no ano seguinte. O demonstrativo daNF de abril de 2010
também cita o pagamento de um “informante quilombola” por R$ 1.000,00,
o levantamento “da atual diretoria do Comitê Carajás e abertura de
prontuário de seus nove membros”, “o levantamento nominal de 16
integrantes do Movimento Mineiro dos Atingidos pela Vale”.


A infiltração mais grave do ponto de vista legal teria sido realizada
“em diversos órgãos do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, de
delegacias policiais do Estado de São Paulo e da Superintendência
Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo para verificar a
autenticidade de um documento de autuação, por trabalho escravo, da
ALL Malha Paulista” de acordo com o mesmo demonstrativo de junho de
2011 da Network, que cobrou R$7.750,00 pelo serviço de espionagem nos
órgãos públicos sobre a empresa ferroviária, ligada a interesses
comerciais da Vale no setor.

Outra do mesmo gênero, que consta do anexo 2 enviado ao MPF, refere-se
a um relatório de 13 de setembro de 2010, custou R$10.240,00 e está
descrita como “Operação de inteligência em São José dos Campos/SP e
infiltração no setor Regional do DPF local para o levantamento dos
dados que instruíram o processo (já arquivado pelo Ministério Público)
de estelionato contra um empresário parceiro da Vale, cujo
comportamento está sendo questionado. Contatos e levantamentos junto à
Obra Social Magnificat, vítima do estelionato do citado empresário”.
(Veja a íntegra  abaixo)

Esse documento serviu de base para a única denúncia em investigação
até agora pelo MPF – a de suborno de agentes federais, sobre a qual
André foi ouvido a pedido do MPF de São Paulo (onde teria ocorrido o
ilícito) há um mês. As demais acusações foram remetidas pelo MPF-RJ ao
MPE-RJ, para verificar se há indícios de crimes estaduais, que por sua
vez foi enviada em 12 junho passado para a 5a Delegacia do Rio de
Janeiro para investigação.

O “PRODUTO” MPSI – MOVIMENTOS POLÍTICOS, SOCIAIS E INDÍGENAS
A Pública teve acesso a fotos e relatórios feitos a partir de
infiltração em outros movimentos sociais como o Movimento pelas Serras
e Águas de Minas Gerais, os ambientalistas do Pó Preto, do Espírito
Santo, os movimentos sociais de moradores e pescadores da baía da
Sepetiba, no Rio de Janeiro, onde fica a TKCSA – Companhia Siderúrgica
do Atlântico –  uma sociedade da Vale com a alemã Thyssen-Krupp, que
pôs sua parte à venda sem atrair compradores – a poluição causada pelo
empreendimento foi alvo de protestos até na Assembléia dos Acionistas,
na Alemanha, pela chuva ácida e presença de resíduos tóxicos no ar que
vem trazendo graves prejuízos à saúde da população como constatou uma
pesquisa de Fiocruz/Manguinhos.

Esse trabalho, realizado pelo departamento de Segurança em parceria
com as terceirizadas, era apresentado ao restante da companhia como
“um produto” – assim como “combate a fraude” – batizado de MPSI
(monitoramento de Movimentos Políticos, Sociais e Indigenas) com
relatórios realizados semanalmente pela Network e, nos casos de
destaque, com a apresentação de mosaicos (como eram chamados os
“cases” que mereciam apuração) ao diretor do departamento e mesmo em
reuniões mais gerais. “Tanto o Gruba como o Gilberto mostravam esses
mosaicos em reuniões da diretoria, para aparecer, justificar as PRs
(Participação nos Rendimentos, oferecidas aos que cumprem as metas).
Mas eu nunca vi, só ouvia os relatos e recebia os parabéns”, diz.

A Pública obteve alguns desses mosaicos, entre eles o da Caravana de
Minas no I Encontro dos Atingidos pela Vale, realizado em abril de
2010, onde é identificada a presença de lideranças sindicais, além de
dezenas de fotos de reuniões fechadas – em que o fotógrafo
aparentemente é percebido como alguém do movimento, e nas ruas –
algumas delas posadas diretamente para a câmara, como as que
documentam o movimento dos Atingidos pela Vale em frente à casa do
ex-presidente da Vale, Roger Agnelli, corroborando as informações de
alguns dos personagens retratados – de que o agente da Network havia
se apresentado como jornalista.


Também fica evidente a proximidade da companhia com os aparatos
públicos de segurança e o exagero das reações diante das manifestações
populares, como acontece no caso apresentado como “Missão Outdoor”,
quando manifestantes do movimento “Pó Preto”, do Espírito Santo, que
protestam contra a já comprovada emissão de poluentes pelo complexo
siderúrgico de Tubarão, picharam em 2012 os outdoors da Vale
relacionados à festa da Penha em Vitória, uma das maiores festas
religiosas do país, realizada na semana santa. Os funcionários da
companhia moveram uma investigação e mobilizaram os órgãos policiais
para tentar encontrar “os culpados”.

Um e-mail enviado a Eugênio Fonseca, do departamento de Pelotização no
Espírito Santo, pelo então secretário do meio-ambiente de Vila Velha,
alertando para uma manifestação de protesto dos moradores da Praia das
Gaivotas contra operações de dragagem da empresa que estavam
enlameando as praias do município, deixa claro o relacionamento
privilegiado da companhia com a prefeitura. Prevenidos, os diligentes
funcionários da segurança acompanharam e fotografaram a manifestação
com pouco mais de 30 pessoas, e confeccionaram o mosaico para
apresentar à diretoria.

ANTIÉTICO OU ILEGAL?

A hostilidade da Vale em relação aos movimentos sociais e sindicais
não é novidade e não pode ser atribuída apenas a gestões anteriores –
embora algumas ilegalidades tenham sido extintas, como o uso de
policiais na ativa na segurança do presidente da companhia, como
ocorria na gestão Roger Agnelli. Em 2011 e 2012, a companhia foi
denunciada na OIT pelo Sindiquímica do Paraná por práticas
anti-sindicais (portanto na atual gestão, de Murilo Ferreira). De
acordo com Gerson Castellano, presidente do sindicato, isso se deveu a
intimidações feitas pelo responsável por Relações Trabalhistas da
empresa em reuniões do Sindiquímica do Paraná (onde era dona da
Ultrafértil, depois comprada pela Petrobrás), seguidas de um tiroteio
nas vidraças do prédio da entidade por autores não identificados, em
agosto de 2012, após a reeleição da chapa que se opunha contra a
companhia.

Além disso, os contratados da Network “continuam a fazer o que sempre
fizeram”, diz André, assim como a segurança da Vale, o que inclui
espionagem aos movimentos sociais, interceptações telefônicas e
revistas em gavetas e computadores dos funcionários (segundo a
denúncia ao MPF, “hackeados pela segurança”, entre outras coisas para
fornecer subsídios para demissões por justa causa, vista como
“recuperação de ativos” por poupar verbas com indenizações, o que foi
confirmado por outros ex-funcionários que não quiseram se identificar.
A Vale é uma das maiores litigantes da Justiça do Trabalho e, em
fevereiro passado, foi condenada por assédio processual (uso abusivo
de recursos legais para defender seus interesses) pelo juiz Hudson
Teixeira Pinto, titular da 2a vara de Trabalho de Governador
Valadares.

De acordo com diversos especialistas consultados pela Pública, porém,
a infiltração e o monitoramento de movimentos sociais não é tipificada
como crime no Brasil, daí o fato de o MPF do Rio de Janeiro ter
decidido investigar por enquanto apenas a denúncia de suborno
relacionada à Polícia Federal. Teria que apurar também as denúncias de
interceptação telefônica, uso ilegal do Infoseg e de dados da Receita
Federal. Segundo o procurador Ubiratan Cazetta, do Ministério Público
Federal do Pará, porém, as denúncias envolvendo crimes federais
tipificados não necessitam de provas legais para que sejam
investigadas, bastando apenas que a denúncia seja feita por alguém que
tem elementos para fazê-la (proximidade dos fatos, por exemplo) e
contexto coerente.

O que parece ser o caso do whistleblower tupiniquim, que chegou
inclusive a fazer as denúncias pelo canal reservado para esse fim no
site da Vale. No dia 27 de agosto passado, André se ofereceu para
depor como testemunha em audiência trabalhista do engenheiro João
Rabelo, demitido por justa causa junto com a mulher, a advogada,
Karina Rabelo (ela sem justa causa) em 2008. Sua intenção era
confirmar o uso de dados da Receita na investigação do “case”, da qual
participou pessoalmente, e que rendeu prestígio (e Participação nos
Resultados) para equipe que supostamente teria detectado um
superfaturamento de R$ 3,4 milhões em obras do complexo Brucutu, em
Minas Gerais, do qual ele Rabelo era gerente geral.

Em janeiro de 2013, Rabelo foi inocentado dessa acusação pelo
Ministério da Justiça de Minas Gerais, que requereu o arquivamento do
inquérito policial, aberto pelas denúncias da Vale. Na audiência,
André nem precisou depor: o preposto da Vale, o diretor Luiz Carlos
Rodrigues, afirmou que a empresa havia detectado “enriquecimento
ilícito” do engenheiro em seu Imposto de Renda – obtido sem o
conhecimento do funcionário.

O caso envolvendo a segunda maior mineradora do mundo, que responde
sozinha por 10% das exportações brasileiras, teve uma aparição
relâmpago no noticiário, logo após a denúncia, através de uma nota
passada por André à coluna Radar, da Revista Veja. Logo após a nota no
Radar, no dia 25 de abril, o presidente da Vale, Murilo Ferreira,
convocou a imprensa para uma conference call . Questionado sobre o
assunto pelo repórter Rafael Rosas, do Valor Econômico, que teve a
colega grampeada em uma investigação interna sobre o vazamento de
informações à imprensa, Murilo disse: “Com relação a isso, consoante o
meu despacho com o presidente do conselho, Dan Conrado, nós passamos
para que fosse feita toda avaliação para auditoria da empresa.(…) Uma
coisa que eu queria salientar: essa área foi reestruturada, inclusive
a área da qual fazia parte o sr. André Almeida não existe mais. Ele
foi demitido, é preciso também fazer essa colocação. Eu não faço essa
colocação no sentido de desqualificá-lo, pelo contrário, acho que
todas as denúncias têm que ser apuradas, mas é a realidade dos fatos.
O sr. André Almeida foi demitido por justa causa por largo e intensivo
uso do cartão corporativo em despesas pessoais”, disse, embora a
Justiça do Trabalho exija sigilo sobre os motivos de demissões por
justa causa, como destaca o advogado Ricardo Régis Ribeiro, que move
as ações trabalhistas de André – uma pela reversão da justa causa e
outra por danos morais.

Segundo André, seu chefe estava ciente de que teria ocorrido “um
equívoco” no uso do cartão e estava sendo descontado em folha pela
dívida quando foi demitido. A notícia de que ele teria gasto 6 mil
reais em uma conhecida casa de prostituição no Rio de Janeiro – em uma
única ocasião – também “vazou” para imprensa. Segundo uma fonte ouvida
pela Pública André costumava frequentar a casa com conhecimento da
chefia para levar “convidados” da Vale – basicamente sindicalistas
mineiros a quem a companhia queria “agradar”.

Ao ser indagada mais de quatro meses depois (10/09) se queria comentar
o assunto e qual tinha sido o resultado da auditoria, a assessoria de
imprensa da Vale respondeu apenas: “O resultado da auditoria, como já
explicamos em outras oportunidades, quando concluído será ou foi
entregue (grifo meu) ao Conselho de Administração, a quem a área se
reporta”.

Quanto à empresa Network, que segundo o denunciante era responsável
pela investigação de funcionários e dos “inimigos” da Vale em geral,
utilizando os expedientes citados na denúncia, o diretor Marcelo
Ricardo Roza disse, em junho deste ano,quando a Pública já apurava o
caso, que a empresa não poderia detalhar os serviços prestados à Vale
“por cláusulas de confidencialidade do contrato”,que lhe rende entre
180 e 400 mil reais por mês, de acordo com os demonstrativos das notas
fiscais. Avisado no dia 9 de setembro de que a reportagem da Pública
dispunha de novos documentos, Ricardo, em viagem, chegou a confirmar
uma entrevista a ser feita nos dias 10 ou 11 de setembro por skype,
que acabou não se concretizando

Na entrevista concedida em junho, o dono da Network confirmou que
André Almeida era o gestor o do contrato da Vale mas se preocupou em
negar peremptoriamente as interceptações telefônicas, a quebra de
sigilo bancário e o acesso a dados protegidos do governo federal no
Infoseg – que centraliza as informações criminais dos órgãos de
segurança do país e só pode ser acessado por eles – e da Receita
Federal, todos esses crimes federais pela legislação brasileira. Mas,
embora não tenha confirmado a investigação dos movimentos sociais,
disse que esse tipo de trabalho não constava das proibições éticas de
sua empresa porque não era delito penal.

Para minha surpresa, ele tinha razão.

  ESPIONADOS BUSCAM INVESTIGAÇÃO FEDERAL

  Charles Trocate, da coordenação nacional do MST no Pará, é uma pedra
no sapato da Vale em Parauapebas, município que sedia as minas mais
promissoras da companhia, na Floresta de Carajás. Ele é um dos
articuladores do assentamento Palmares II, que ocupa áreas próximas
aos trilhos da Estrada de Ferro Carajás. “Nesses últimos anos,
Parauapebas é um campo de disputa da luta pela terra e da luta da
mineração”, define Trocate.

  Por isso ele não se surpreendeu com as notícias de que tem sido
espionada pela Vale, fato que já conhecia por experiência própria,
diz, lembrando, por exemplo, um episódio ocorrido no final de 2007,
quando depois de uma duradoura interrupção da ferrovia por cerca de
300 integrantes do movimento, cerca de 60 agentes da Vale se
misturaram aos manifestantes se fazendo passar por funcionários da
prefeitura de Parauapebas, por jornalistas e até por membros do
movimento. “Não houve inquérito da Polícia Federal em campo. Os
informantes da Vale no Pará juntaram todas as peças que eles tinham e
entregaram à Polícia Federal dizendo quem é quem na organização, na
direção do MST com fotografias, filmes e imagens”, afirma o ativista.

  Também a rede Justiça nos Trilhos desconfiava da espionagem da Vale,
embora tenham, sim, se surpreendido com a infiltração de agentes no
movimento: na rede e entre os quilombolas, segundo os documentos no
MPF-RJ. “Ficamos muito tristes com essa atitude da Vale”, diz o padre
Dario que como Danilo Chammas era um dos “atores políticos”
monitorados pela empresa via Network.

  Diante das revelações do ex-gerente de segurança ao MPF, o MST e o
movimento Justiça nos Trilhos foram a Brasília no dia 28 de maio para
levar aos órgãos governamentais um dossiê contendo as denúncias de
espionagem contra a Vale. Uma comissão formada pelos dois movimentos e
entidades internacionais entregou o documento à Presidência da
República, ao Ministério da Justiça, à Secretaria Especial de Direitos
Humanos, à Procuradoria Geral da República, à Procuradoria Geral do
Trabalho, à direção geral da Abin, às presidências da Câmara e do
Senado e à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do
Senado.

  “Os interesses da empresa significam o controle da própria
sociedade. Parece que esse tipo de atuação é parte da estratégia
empresarial”, afirma o deputado federal Chico Alencar, do PSOL-RJ, que
montou uma Comissão de Direitos Humanos e Minorias – “paralela e
informal” – na Câmara dos Deputados depois de se desentender com o
presidente da comissão oficial: o pastor Marco Feliciano (PSC-SP). Foi
pra ele que os movimentos entregaram o dossiê na Câmara. “A Vale não
tem nenhuma autorização judicial para fazer isso e não é um ente
público de fiscalização e controle. Fere o direito democrático das
pessoas se reunirem, se manifestarem e estabelece um controle social
completamente ilícito, ilegal”, afirma.

  A senadora Ana Rita (PT-ES), presidente da Comissão de Direitos
Humanos e Legislação Participativa do Senado, diz que encaminhou a
denúncia dos movimentos ao Ministério da Justiça: “Eles trouxeram um
documento farto, com muitas informações e aí solicitamos ao Ministério
da Justiça que atuasse no sentido de verificar isso”. Ana Rita também
revelou que a comissão realizará uma audiência pública sobre o
assunto, que deve acontecer no final deste mês ou na primeira quinzena
de outubro, sendo que o Ministério da Justiça e a PF serão convidados
a participar. “Nenhuma instituição, nem pública, nem privada pode
fazer isso, a não ser a Polícia Federal. Isso deixa os trabalhadores
muito intranquilos, porque eles deixam de saber se as pessoas com quem
eles estão se relacionando são realmente confiáveis ou não, então
fere, inclusive o relacionamento profissional. Na minha opinião, o
principal direito humano atingido é o direito de organização das
pessoas”, resume.

  Em contato com a Pública, a assessoria de imprensa da Procuradoria
Geral do Trabalho informou que entrou em contato com o coordenador de
Liberdade Sindical (o órgão se divide em oito coordenadorias
temáticas) e que ele não tinha conhecimento sobre o assunto. A
assessoria informou ainda que iria apurar nas outras sete
coordenadorias, mas não o fez a tempo do fechamento da reportagem. A
Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada ao gabinete da
Presidência da República, informou que recebeu o dossiê com as
denúncias de espionagem e o encaminhou ao Ministério Público Federal
para investigação. No entanto, a assessoria não informou para qual
procurador o documento foi enviado, nem o teor da denúncia feita ao
MPF.

  Já a Procuradoria Geral da República afirmou que não encontrou
nenhuma denúncia ou informação relacionada ao dossiê na ouvidoria do
órgão. Até o fechamento da reportagem, o Ministério da Justiça não
informou à Pública se recebeu o dossiê com as denúncias de espionagem
da Vale.

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